quarta-feira, 27 de maio de 2009

Rezar... Como?

Rezar é a aventura mais bela da vida, é deixar-se levar pelas ondas do amor de Deus à praia infinita, onde ninguém pode perturbar nosso silêncio de amor ou nossa liberdade de olhar para o céu e gritar sem medo que Deus é nosso Pai e que o amamos.

Algumas vezes se fala em crise de oração. A oração nunca esteve em crise; quem está em crise são os homens e as mulheres que, oprimidos por tantas coisas: preocupações, trabalhos, olham sempre para a terra e esquecem de elevar os olhos para o céu. “Olhai para o alto e não para as coisas da terra”, ensina o apóstolo. Rezar é a capacidade de levantar os olhos e ver que as coisas da terra são boas na medida em que libertam o nosso coração de tantas mesquinharias e abrem os olhos à luz do amor e da fé.

Uma nova pedagogia da oração
Pode até parecer meio estranho falar de uma nova pedagogia da oração... Será que depois da pedagogia ensinada por Jesus quando os discípulos, extasiados diante da maneira como Ele rezava, pediram-lhe: “Ensina-nos a orar” (cf. Lc 11,1-4)...

Claro que não; sempre devemos voltar a repetir a oração que o Senhor nos ensinou. Mas a maneira de rezar o Pai-nosso pode mudar e muito. Afinal, a vida humana mudou bastante.

Gostaria de colocar em evidência alguns pontos que têm me ajudado a rezar:

1. A Bíblia é uma grande assembléia de homens orantes. Os personagens bíblicos são amigos de Deus e se esforçam para buscá-lo com toda intensidade. O grito que perpassa a Palavra de Deus é sempre o mesmo: “É a tua face que eu procuro, Senhor; mostra-me o teu rosto, a minh’alma tem sede do Deus vivo”... Estes anseios fazem que a oração, ou seja, o diálogo entre Deus e ser humano, caminhe no trilho único da amizade. A amizade com Deus tem todas as características da amizade humana.

2. Em todas as amizades alguém deve tomar a iniciativa. Os dois sentem-se atraídos, mas um diz “eu te amo” e o outro responde “também te amo”. No caso da oração, a iniciativa é sempre de Deus, que é amor; Ele chama e nós respondemos, Ele convida e nós vamos.

3. “Rezar é escutar” (Dt 6,4-7)... Gosto de fazer minha oração em silêncio e... deixar que o Senhor pense por mim. A arte e o desejo de escutar se fazem mais fortes com a idade. Preciso, porém, abrir meu coração para ouvir o Senhor que fala e me envia a fazer alguma coisa: “Obras quer o Senhor,” diria Santa Teresa, minha mãe e mestra.

4. O Frei Camilo Maccise, Superior Geral do Carmelo, tem sempre insistido nos seus livros, que a oração é vida e a vida é oração. São duas realidades inseparáveis. A oração e a vida se fundem, se completam.

Os protagonistas da oração
Não necessitamos de muita perspicácia para compreender que os protagonistas são três: Deus, eu e os outros.

DEUS é primeiro protagonista; é Ele quem toma a iniciativa, que se revela, que nos declara o seu amor e vem ao nosso encontro a cada momento. Deus se manifesta a nós por puro amor. Na sua manifestação Trinitária “Pai, Filho e Espírito Santo”, as Três pessoas entram em comunhão conosco na oração. Ninguém pode rezar sem esta experiência trinitária. Desejo que um dia em nossa vida todos possamos nos sentir – de uma forma única, irrepetível e incomunicável – que somos habitados pela Trindade Santa.

EU! O interlocutor natural de Deus, com quem Ele pode entrar em comunhão, é o ser humano. Somente a humanidade foi criatura à “imagem e semelhança de Deus”.

Devemos aprender a falar a mesma língua de Deus, que é o amor. Na oração nos sentimos amados e amamos, somos acolhidos e acolhemos.

Na nossa busca de Deus devemos nos aproximar sempre da Palavra do Senhor e acolhê-la no mistério da fé.

OS OUTROS.
A oração não é um diálogo solitário, deslocado da vida; mesmo quando rezamos sozinhos ou em lugares solitários, a nossa oração é sempre comunitária, exatamente porque somos habitados pela Trindade Santa. Mas o nosso relacionamento Deus-eu se alarga, imergindo-nos na realidade de que somos chamados à comunhão de amor com os outros; neles podemos contemplar a cada instante a imagem de Deus. Se não sabemos ver a imagem de Deus nos outros, como podemos vê-la em nós?

É fascinante saber que na oração não estamos sozinhos, mas estamos em comunhão com a Igreja, com a família e com a comunidade. Quem reza vence toda solidão e sente-se parte viva do outro. A oração harmoniza o nosso ser nos seus vários níveis: humano, psicológico e espiritual. Somente na oração podemos vencer e superar as fraturas que, ao longo da vida, sofremos. O amor cura e re-pacifica a cada um de nós.

Alguns meios para rezar melhor
Rezar não é ficar parado, exige a nossa cooperação. Neste sentido, devemos procurar um “método de oração que muito nos ajude”. Quem sabe, sugiro alguns meios:

a. A Palavra de Deus. Ler e reler textos bíblicos que falem forte ao nosso coração até decorá-los, para que se tornem nosso alimento e dele possamos nos saciar à vontade;

b. A natureza. Precisamos nos dar tempo para parar e contemplar as flores que nascem sozinhas à beira da estrada, ou escutar a voz de um riacho que canta o seu louvor ao Senhor, ou uma estrela no céu... Aprendermos a ser contemplativos...

c. Os acontecimentos da história. Quando você não tem motivação para rezar ou não sabe para quem rezar, ligue a TV, leia o jornal, escute o rádio e logo vai perceber tantos motivos para rezar. Não devemos complicar a vida, mas simplificá-la. Não se importe em como os outros rezam, encontre a sua maneira para rezar. A leitura da “História de uma Alma”, de Santa Teresinha, sem dúvida pode ajudar muito a descobrir “o seu jeito de rezar”.

d. A Eucaristia. Aprenda a amar mais e mais o mistério da Eucaristia. Sempre participe da missa, se estiver preparado comungue, e depois da comunhão fale face a face com o Cristo recebido.
e. O terço. Este é o ano do rosário, que o Papa João Paulo II tem apresentado como meio de oração contemplativa, que todos podem alcançar. Todos temos capacidade de rezar o terço, é a oração dos que amam.

f. Rezar com as imagens. Quando as coisas não andam como quero, costumo segurar o crucifixo e olhar para Jesus crucificado, então meu coração mergulha no silêncio e decifra “as cruzes da vida”. Quando estou alegre, gosto de contemplar imagens bonitas, ícones de nossa Senhora e dos Santos...

g. Rezar com os gestos. Se você sente a necessidade de se ajoelhar, se ajoelhe; se percebe que o desejo é de esconder o seu rosto entre as mãos, faça-o. Todo gesto revela o que se passa dentro de nós. Cante, reze, silencie...

h. A oração acontece, sem dúvida, dentro do nosso coração. É no quarto interior, no castelo, na adega, como dizem os místicos, que acontece o encontro de amor entre nós e Deus. Por isso, a oração exige uma grande interiorização. Interiorização quer dizer assimilar a Palavra, comê-la para que ela se transforme em vida e seja nossa força para todos os momentos da nossa caminhada. Interiorizar é assimilar e guardar a Palavra para que, em momentos difíceis, ela possa ser lembrada e se torne novamente força para nós.

Partir com Deus para a vida Depois de ter conversado com Deus, de ter lido a sua Palavra, ter refletido, meditado, assimilado, interiorizado, não nos resta outra coisa senão retomar as atividades de cada dia, com coração novo, olhos diferentes, capazes, e com uma vontade grande de transformar o mundo em que vivemos. De não nos deixar contaminar pelo mundo, de não permitir que o mal nos prenda e nos torne seus escravos. O orante não é diferente dos outros... veste-se como os outros, come o que os outros comem, vai a todos os lugares e trabalha como os outros, mas suas atitudes são atitudes novas, de alguém que assimilou e decidiu ser de Cristo. Luta contra os pecados da carne. Rezar é viver com os olhos fixos em Deus. Aquele que reza, ou muda de vida ou deixa de rezar. Não podemos rezar e continuar numa vida na qual não haja a presença de Jesus. A oração nos transforma, nos faz criaturas novas. Cada um de nós sabe que a oração nos obriga a mudar.

(Frei Patrício Sciadini, OCD
)

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