segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Resposta de Católico

Ouvi com a paciência que aprendi a ter, ao longo de 40 anos de padre. Sei que os pentecostais não são todos como aquele rapaz. Mas aquele crente que se dizia evangélico, pregador de poucas leituras, enquanto meu carro era lavado pelos seus colegas, me interpelava por causa da cruz que eu levava e levo ao peito. Era daqueles que falam, mas não aceitam ouvir. Mostrava certeza absoluta. Estava certíssimo de que Jesus estava com ele e não estava comigo, porque, segundo ele, eu era um idólatra. Ignorou meus estudos, meus 60 anos de idade naqueles dias, o fato de eu escrever e lecionar. Aos vinte e três anos ele sabia mais do que eu. Os colegas que sabiam quem eu era, deixaram acontecer para ver como o colega se daria.

Observei bem enquanto ele gesticulava exaltado, para provar aos colegas que sabia mais do que o velho bem-vestido à sua frente. Tinha ares de combatente espiritual, disposto a mostrar a luz de Deus que estava nele, mas não estava em mim. Foi fácil perceber que não pretendia salvar mais uma alma para Cristo e, sim, provar alguma coisa para os seus colegas. Era o tipo de religioso gabola. Precisava provar aos colegas que sua igreja era melhor.

Dei corda. Ele mordeu a isca. Falou quinze minutos sem parar sobre a idolatria dos católicos e a verdade da Bíblia. Apostou que eu não tinha uma Bíblia no carro. Errou. Eu a tinha e toda rabiscada e anotada. Busquei-a. Ele começou a hesitar. Escolhera o lutador e o ringue errado… Eu sabia mais de Bíblia do que ele…

Com vinte e três anos de vida e menos de quarenta meses de escola, mas muita revelação, ele se dizia crente fiel a Jesus. Saiu a combate e errou na escolha da arma, até porque a Bíblia não é uma arma. Pensou que eu não conhecia os textos que ele decorara. Pedi tempo para responder e solicitei os mesmos quinze minutos que eu lhe dera para falar. Comecei a responder, um por um, os textos de Paulo, do Levítico, do Números, do Deuteronômio e de Juízes capítulos 7 a 9. Falei também de João, que ele citara. Acrescentei alguns dados que ele não sabia.

Falei da tribo de Dan que matou a sangue frio a gente pacifica de Laís e depois disse que Deus queria aquele crime. Falei do guerreiro Gideão, famoso por combater as imagens dos outros e de como o temido destruidor de imagens, com o seu grupo de combatentes, famoso por aterrorizar outras religiões, tornou-se herói e rico com sua arrecadação de dinheiro e de bens dos outros. Já que ele se considerava um gideão era bom saber quem o inspirava. Gideão terminou seus dias fazendo um éfode e adorando ídolos. Teve 70 filhos de muitas mulheres e um de uma concubina. Este, Abimeleque matou seus setenta irmãos. Violentos, eles tinham aprendido com o pai que guerreava e provocava os outros em nome da sua fé e do seu povo.

Exigiu provas e mostrei-lhe sua própria Bíblia. Antes que eu concluísse dez minutos ele pediu para interromper, porque tinha que ajudar a lavar outro carro. Eu lhe disse que esperaria para acabarmos a conversa que ele começara. Diante do riso irônico de seus colegas disse ele: -Desculpa aí, moço. Desculpa se eu o desrespeitei.

Escrevi o número do meu telefone e o entreguei a ele dizendo: -Conte ao seu pastor que promove novos Gideões da fé, o que lhe aconteceu hoje e diga a ele que, se quiser uma conversa comigo, terei o maior prazer de tomar um café com ele aqui mesmo, depois do seu serviço. Marque o dia que eu dou um jeito de continuar nossa conversa.

***

Nunca ligou e nunca marcou. Passei por lá dois meses depois e seus colegas me disseram que ele mudara de emprego, mas que nunca mais discutiu religião com ninguém. A um deles ele dissera: -Meu, aquele padre sabe muita religião!

***

Mais do que ele, eu sabia. Talvez não soubesse mais do que o seu pastor. Mas um pastor que promove gideões e não explica o lado sombrio do modelo que propõe aos fiéis deveria ser questionado. Sei mais do que muitos irmãos meus que não costumam ler livros de teologia ou de catequese, mas admito que há pessoas em outra igrejas que sabem muito mais do que eu. Pregadores cultos não propõem modelos violentos aos seus fiéis. Seria como um muçulmano propor Bin Laden como modelo de fé islâmica. E é dever de quem sabe mais, ouvir os outros e esclarecer os que sabem menos.

***

Tenho feito isso. O que sei, eu ensino. Se erro, corrijo-me. Se o outro ensina errado, eu reajo e o corrijo, quer ele queira, quer não, porque li Paulo a Timóteo. ( 2 Tm 4,1-5) Já perdi alguns amigos por isso. Mas eles haviam ensinado um erro crasso para milhões de pessoas. Se eles ensinam errado para vinte milhões de pessoas na sua televisão, eu tento corrigir seu erro como e onde posso mesmo que eu não atinja mais do que trinta mil. Catequese se faz e se corrige. Catequista corrige e aceita ser corrigido. Quem deixa de abarcar alguém por ter sido corrigido por este irmão não entendeu os evangelhos. Somos todos corrigíveis.

Pe. Zezinho, SCJ

Nenhum comentário:

Postar um comentário